sábado, 9 de março de 2013



Quando um mártir morre, chega do outro lado ainda em chamas. Independentemente de como morreu seu corpo brilha forte em tons de laranja e azul e um fogo emana dos seus pés o encobrindo por completo. Como se fosse uma grande fogueira, as labaredas que fluem pela coluna tomam o céu e um barulho de fogo consumindo madeira ecoa pelos ares. O grito do mártir se intensifica quando chega do outro lado, sendo que é impossível definir os sentimentos que o mártir cria através dos mesmos, ora dor, ora paz, ora sentimento de dever cumprido, ora intensa devoção definindo seus lábios.
Quando um mártir está em processo de morte toda apreensão se vai. Olhe você mesmo nos olhos de um mártir, comprove-me algum traço de pavor, de medo. É impossível porque é no processo de morte que o mártir se encontra por completo, abraça a dor, beija o seu objetivo e se sente atravessado pela meta cumprida. Inocentes não devem ser mortos, mártires precisam ser mortos para que o arquétipo tenha sentido e o arquétipo traça a história genética e os caminhos carnais por inteiro, desde o nascimento até o reencontro.
O mártir tem vários nomes, ora gênio, doente, lobo da estepe ou até ave do mal, todos eles são resultado da ação incessante do mártir entender a si mesmo, num processo doloroso de auto-aceitação da própria dor, envolta do sentimento de não pertencimento. O que são os mártires se não grandes olhos, forjados geneticamente por algo ou acaso no passado, para que a explosão de vida seja entendida? Os mártires não são heróis, são os heróis que precisam do título para sobreviver.
Sobrevivem de migalhas de atenção, de gratidão pura, de sorrisos não necessariamente provocados por eles, da sensação de ser útil a algo. Qual o propósito do mártir? Qual o propósito? O que um mártir não daria por ser um arquétipo comum? O que não daria o mártir por somente ser lobo, ou mesmo por ser somente homem? Diga-me o que as Aves do Mal conversam todos os dias pela madrugada? Como sairemos disso, como nos sararemos, como viveremos? Quando as Aves do Mal conversam existe um sentimento espelhado, como se todas elas se conectassem e estivessem num monólogo  que se repete infinitamente, enquanto dura. Mártires estão sozinhos, mártires nunca encontrarão mais que um abrigo temporário e lá fora o vazio que reside dentro grita para que os mesmos abandonem a ignorância forçada, a força que se impunha de forma ignorante contra o mar de incertezas na certeza da morte na fogueira. Na fogueira o mártir se encontra, na fogueira o mártir pertence à algo.
Deixa o lobo tomar conta por instantes, deixa o homem sentir vergonha pela sua natureza dividida, maligna. Deixa o rapaz lamuriar seu nascimento, deixa que ele entenda que ele realmente nasceu quebrado, mas que não é sua culpa não conseguir se adaptar, por mais que ele tente, por mais que ele se esforce. Ele vai perceber que só ele e os outros eles, os de fora e os de dentro tem o prazer de sentir a música como um corte profundo, o aperto na garganta de tomar as dores de terceiros como suas próprias genuinamente. Feliz é aquele mártir que não possui alguém que chore por ele então...

Porque o mártir é suicida, sim, o mártir é suicida. O mártir sabe o que ele é, de forma veemente se vê preso num estado niilista, implosivo, maldito por vezes. Covarde acima dos outros é o mártir que morre velho, guerreiro é o mártir que tira de si todo o poder de decidir sobre o futuro dos que o amam e assim se entrega às chamas. Lá nas chamas está o pertencimento, é lá que o mártir se encontra, sim, sempre será somente lá. Toda tentativa de viver é em vão para o mártir, e ele é mártir por continuar a viver aonde não comunga com nada, nem com a terra sobre seus pés. Mártir da causa dos perdidos, mártir de si mesmo e covarde para o mundo, parece bem justo.
Deixa eu voltar a minha ignorância forçada, pelos meus de sangue, afinal, não é por eles que não me entrego ao meu amor funesto? E o que virá depois é incerto pois falho ou não o mártir encontrará seu caminho para as chamas e o depois será o vácuo, se os sonhos do mártir se cumprirem pelo menos uma vez.

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